Chico e a Greve





Postado por: jorge - Sinterg 07/05/2012 

Chico e a greve 
(Crônica da Cidade)

Um dos mais inesquecíveis personagens de Chico Anysio, o professor Raimundo, piscava para a câmara, com um sorriso maroto, e lançava o bordão, depois de um absurdo qualquer dito por um de seus alunos: "E o salário, ó". Com a linguagem universal do humor, o mestre punha o dedo na ferida da educação pública no Brasil: péssimos salários para lidar com uma diversidade de alunos, a maioria deles indomáveis. A escolinha do professor Raymundo é mais antiga que Brasília, surgiu em 1952, num programa de rádio. A piscadinha de Chico Anysio teria razões ainda mais remotas para existir. Mas não será às origens dos males da educação no Brasil que esta crônica dominical vai se dedicar, nem teria competência para tanto. Mas há pelo menos uma competência que esta crônica tem e se não tem a persegue diariamente: a de revelar o espanto nosso de cada dia com a difícil arte de viver em Brasília e de reagir aos acontecimentos que convulsionam a rotina do brasiliense. E a greve dos professores da rede pública é uma dessas ocorrências que têm bagunçado a vida de aproximado meio milhão de pessoas - qualquer que seja a estimativa que se leve em conta, a do sindicato da categoria ou a do GDF. Se são 500 mil os estudantes, são 500 mil os pais que também são prejudicados no cumprimento diário de suas obrigações. Se a adesão é de 40% - vamos usar os números do governo, são 400 mil almas prejudicadas pela paralisação. Seria, porém, desonesto não levar em conta as razões da categoria para decretar a greve e mobilizar, pelo que se vê na foto publicada no site do sindicato, número tão contundente de professores numa assembleia. Sabemos todos que é uma das mais bem organizadas categorias do quadradinho. A luta por salários e garantias trabalhistas é um direito legítimo dos trabalhadores. Eu mesma posso dizer que jamais furei uma greve na minha tão desarticulada categoria profissional. Mas estamos falando de ofícios bem diferentes. Se essa crônica não sair amanhã, ou mesmo o jornal inteiro, esse ou qualquer outro, o mundo continuará a girar solenemente. Não é o caso dos profissionais do ensino, dos policiais, dos médicos ou de outras categorias essenciais para os cidadãos. Nunca havia parado para pensar nisso, até que encontrei uma faxineira, no Setor da Placas das Mercedes, no primeiro dia de greve. Ela não havia ido trabalhar porque a filha de 8 anos não tinha com quem ficar. Não faço ideia do que seja enfrentar diariamente salas de aulas com alunos vindos de famílias devastadas, e sem que o Estado lhes ofereça condições de vislumbrar um futuro decente. É muito mais do que legítimo que os professores tenham seus salários equiparados aos dos demais profissionais de ensino superior do GDF. 
Mas não haveria - me pergunto - meio menos devastador para número tão grande de pessoas, a absoluta maioria delas muito mais desprotegidas que os grevistas? Por que não faço essa pergunta ao governo?
Porque o governo governa do jeito que pode ou que quer. 
Os professores ensinam. 

P.S. Essa crônica espera que os contraditórios sejam expressos com a mesma cordialidade aqui manifestada.

CORREIO BRAZILIENSE - DF

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